Quando a vulnerabilidade da mulher se torna armadilha em um sistema judicial omissivo
Justiça ignora a vulnerabilidade das mulheres em sentença polêmica em desfavor de autora que foi mantida em cárcere no interior de um carro da UBER e sofreu tentativa de extorsão.
Recentemente, um caso que reflete a grave falta de assistência do Estado às vítimas de violência e abuso foi amplamente noticiado na imprensa. A situação envolve duas mulheres, mãe e filha, que enfrentaram um episódio de terror ao utilizar os serviços de um aplicativo de transporte da UBER. O que deveria ser uma simples corrida se transformou em um pesadelo, onde uma das autoras foi ameaçadas diretamente e mantidas em cárcere privado por um motorista da UBER, que agiu com total desrespeito aos direitos humanos e à dignidade da passageira.
O juiz Paulo Cesar Almeida Ribeiro, da 17ª Vara dos Sistemas de Juizados Especiais do Consumidor, no entanto, proferiu uma sentença de improcedência no caso em questão, fundamentando sua decisão nos seguintes pontos principais:
Falta de Comprovação dos Fatos: O magistrado destacou que as autoras não conseguiram comprovar os fatos constitutivos de seu direito. Segundo o juiz, não houve evidências suficientes de que as autoras estavam no veículo no momento da ocorrência e que sofreram tratamento descortês por parte do motorista. O boletim de ocorrência, bem como o protocolo de denúncia ao Ministério Público da Bahia apresentados pelas autoras, foram considerados insuficientes para corroborar as alegações, pois, segundo o juiz, foi elaborado com base em declarações unilaterais.
Responsabilidade Objetiva e Nexo de Causalidade: Apesar da responsabilidade objetiva prevista no Código de Defesa do Consumidor, o juiz salientou que cabe ao consumidor comprovar tanto o dano quanto o nexo de causalidade. No caso, não houve demonstração de que os danos sofridos pelas autoras decorreram de uma ação ou omissão da Uber.
Inexistência de Vínculo: O magistrado afirmou que a Uber não pode ser responsabilizada pelas ações do motorista, uma vez que ele atuava como prestador independente e não como empregado da empresa. Assim, o juiz reiterou que a responsabilidade pelos eventos narrados recai sobre o Estado, que tem o dever de garantir a segurança pública.
Falta de Hipossuficiência e Inversão do Ônus da Prova: O juiz considerou que a inversão do ônus da prova não se aplicava ao caso, já que não foi demonstrada a hipossuficiência das autoras que justificasse tal medida. Portanto, o encargo de comprovar os alegados danos continuava a ser das autoras.
Esses argumentos culminaram na decisão do juiz de julgar improcedente a ação, evidenciando a complexidade dos casos que envolvem relações de consumo e a necessidade de provas robustas para embasar reivindicações de indenização.
Entenda o caso:
No dia 17 de maio de 2024, as vítimas solicitaram o serviço de transporte para levar uma delas até um hospital onde uma neta estava internada em estado crítico. Durante o trajeto, o motorista adotou uma postura agressiva, exigindo o pagamento de uma multa inexistente e ameaçando as autoras. A situação culminou em um constrangimento extremo, com o motorista trancando as portas do veículo e insultando verbalmente as passageiras.
A falta de assistência do Estado em casos de violação de direitos
O caso foi levado ao Judiciário, onde as autoras pleitearam indenização por danos morais. Contudo, o juiz responsável pelo caso, Paulo Cesar Almeida Ribeiro, da 17ª Vara dos Sistemas de Juizados Especiais do Consumidor, proferiu uma sentença de improcedência, ignorando a gravidade das alegações e a responsabilidade da empresa de transporte. A decisão deixou de reconhecer as evidências claras de violação dos direitos fundamentais das autoras e causou indignação na sociedade, que esperava uma postura mais firme do Estado em defesa das vítimas.
Essa sentença não apenas frustrou as expectativas das autoras, mas também expôs uma falha alarmante do sistema judiciário em proteger aqueles que são vulneráveis. A cobertura midiática do caso trouxe à tona a insatisfação pública e o sentimento de impunidade que permeia situações em que os direitos humanos são violados.
Em entrevista à ABC-I News, uma das autoras que não quis se identificar por medo de retaliação diante da postura criminosa do motorista e da vista omissão do Estado, de demonstrou totalmente indignada com a sentença improcedente e revelou sentir-se totalmente desprotegida diante na ineficacia na aplicação das leis vigentes, em especial as de defesa da mulher.
É paradoxal que o Estado, que deveria garantir a proteção e a assistência às vítimas, tenha se mostrado omisso diante de um caso tão emblemático. A falta de ação efetiva por parte das autoridades judiciais não só perpetua a sensação de insegurança entre os cidadãos, mas também desacredita o próprio sistema de justiça, que é responsável por promover a equidade e a dignidade.
Diante da repercussão negativa e da grave contradição entre a decisão judicial e as políticas públicas que visam proteger os direitos do cidadão brasileiro, a sociedade clama por uma resposta urgente e eficaz. As vítimas de abusos não devem ser deixadas à mercê de decisões judiciais que falham em reconhecer a realidade de suas experiências. O estado deve, urgentemente, reassumir seu papel de defensor dos direitos humanos e garantir que todos tenham acesso à justiça.
A situação requer uma análise crítica e um chamado à ação. O sistema judiciário precisa ser mais sensível às necessidades das vítimas e mais rigoroso na responsabilização de agressores. Somente assim poderemos vislumbrar um futuro onde a justiça realmente sirva àqueles que dela precisam.
O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA NÃO PODE FICAR INERTE
A recente decisão do juiz Paulo Cesar Almeida Ribeiro, da 17ª Vara dos Sistemas de Juizados Especiais do Consumidor, que proferiu sentença de improcedência em um pedido de indenização por dano moral face o caso de cárcere privado e tentativa de extorsão sofridos por duas mulheres durante uma corrida de Uber, expõe a insensibilidade do sistema judicial frente à vulnerabilidade feminina. O motorista se aproveitou da condição de ser mulher, que, em tese, a coloca em uma posição de maior fragilidade, demonstrando uma força desproporcional na relação entre as partes. Essa exploração não deve ser tratada apenas como uma questão de responsabilidade de consumo, mas como um sinal alarmante de conformismo machista, que normaliza a violência contra as mulheres.
O Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, bem como o CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA não pode permanecer inerte e ignorar um caso tão escandaloso e negligenciado. É inaceitável que, em um momento histórico em que se busca garantir os direitos das mulheres e combater a violência de gênero, uma decisão como essa promova a cultura da impunidade e da opressão. O Judiciário não pode fechar os olhos para a realidade de tantas mulheres que, dia após dia, enfrentam situações de violência e abuso, e que esperam um apoio efetivo das instituições responsáveis por garantir a justiça.
As palavras do juiz não apenas subestimam a gravidade do ocorrido, mas reforçam e ecoam a deficiência de um sistema que muitas vezes falha em proteger os mais vulneráveis. A omissão diante do abuso é um grave retrocesso social que demanda uma resposta contundente do Tribunal de Justiça da Bahia. É imprescindível que o Judiciário assuma seu papel como defensor dos direitos humanos, garantindo que a justiça seja uma realidade, e não um privilégio, para todas as vítimas, independentemente de seu gênero. A sociedade exige uma reavaliação urgente das decisões judiciais e uma postura firme na proteção das mulheres, que não podem ser vistas como meras cifras em uma relação de consumo.