Ação judicial que envolve pedido de multa e indenização por danos morais após compartilhamento não autorizado de informações sigilosasa, se procedente, pode gerar a maior indenização paga em sede de juizados especiais.
Salvador, Bahia – Um consumidor moveu ação judicial contra a Neoenergia Coelba, concessionária de energia do Estado da Bahia, acusando a empresa de violar a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e expor indevidamente uma dívida contestada judicialmente. O processo, que tramita no Juizado Especial Cível de Salvador, destaca o uso indevido de dados sensíveis do promovente, o que teria causado constrangimento e danos à sua honra.
De acordo com os autos, a concessionária teria compartilhado informação sobre o histórico de pagamento e contas, supostamente, em aberto. Além de emitir segunda via das faturas em nome do requerente e entregar a terceiro não autorizado, dando assim conhecimento de assuntos sigilosos que dizem respeito tão somente ao consumidor e a Neo Energia Coelba por meio do contrato individual de prestação de serviço sob CPF do consumidor .
Entenda o caso:
No início de 2023, o consumidor ajuizou uma ação contra a mesma empresa, alegando que as contas geradas eram excessivamente onerosas e destoavam do padrão usual de seu consumo. Em decorrência da sentença favorável obtida, a empresa foi condenada a substituir o medidor e a corrigir todas as contas emitidas desde o início da ação até a data da sentença.
Tribunal de Justiça do Estado da Bahia
PODER JUDICIÁRIO
SALVADOR
1ª VSJE DO CONSUMIDOR (MATUTINO) – PROJUDI
Padre Casimiro Quiroga, SN, Lt. Rio das Pedras, Qd 01, Imbuí – SALVADOR
ssa-1vsje-consumo@tjba.jus.br – Tel.: (71) 3372 7428Processo Nº: 011xxxxxxxxxxx
Parte Autora:
xxxxxxxxxxxParte ré:
COMPANHIA DE ELETRICIDADE DO ESTADO DA BAHIA COELBASENTENÇA
Vistos, etc…
Alega a parte autora, em suma, que recebe os serviços da acionada através da conta contrato nº 007075****** e que a sua primeira fatura foi retificada por erro de leitura, após reclamação administrativa. Entende que o processo de aferição encontra-se comprometido. Requereu a abstenção de suspensão do serviço, anulação e extinção das faturas geradas sob dúvidas quanto a lisura no processo de aferição do consumo, indenização por danos morais.
Em sua defesa, a ré argumenta que as faturas correspondem ao efetivo consumo, requerendo, ao final a improcedência da demanda.
É o breve relatório, decido.
Preliminar de incompetência em razão da complexidade
Rejeito a preliminar de complexidade/necessidade da prova pericial para apreciação da demanda, na medida em que os elementos probatórios coligidos são suficientes para elucidação dos fatos e deslinde da causa, não havendo, assim, dificuldade factual e probatória de grandes proporções de modo a impedir sua apreciação pelo sistema dos Juizados Especiais.
Mérito
Da análise das provas trazidas à colação, restou evidenciada a relação de consumo existente entre as partes (contrato tombado sob a conta contrato n. 007075*****).
A controvérsia dos autos cinge-se na verificação da existência de defeito na prestação de serviço fornecido pela acionada.
Para o exame da lide é necessário trazer a colação o quanto disposto no art. 14 e parágrafos do CDC:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
§1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I – o modo de seu fornecimento;
II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III – a época em que foi fornecido.
§2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.
§3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
§4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.
Outrossim, diante da flagrante situação de hipossuficiência do demandante que não dispõe de meios técnicos para demonstrar a ilegalidade da cobrança, entendo por bem aplicar a inversão do ônus da prova em seu favor, nos moldes do art. 6º, inciso VIII do Código de Defesa do Consumidor.
Aduz a parte autora que locou um imóvel e após alteração de titularidade, passou a receber faturas que julga exorbitantes.
Após reclamação administrativa, obteve retificação da fatura relativa a maio/2023 (528kwh para 225 kwh).
Muito embora a parte Autora não tenha trazido aos autos o histórico de consumo do imóvel dos últimos 12 meses, há elementos nos autos que não se pode desconsiderar.
As duas faturas anteriores à alteração de titularidade apresentadas aos autos, quais sejam, 03/2023 e 04/2023 com leitura em período que o autor já ocupava o imóvel, apresentam valores inferiores àquelas posteriores à alteração de titularidade.
Outrossim, após reconhecimento de erro de leitura confirmado pela COELBA na fatura de maio/2023, não houve qualquer providência, acompanhamento técnico ou mesmo substituição de medidor. Também não foi apresentado aos autos Laudo de Aferição do Medidor certificado por órgão técnico.
Neste ínterim, caberia à requerida o ônus de demonstrar a improcedência das alegações da acionante. Entretanto, à luz do que foi acostado aos autos é evidente que a acionada não logrou êxito em comprovar a existência de regularidade no medidor ou qualquer outra circunstância que justificasse um aumento excessivo do consumo nos meses reclamados.
Desse modo, impõe-se o reconhecimento da procedência parcial dos pedidos da parte autora haja vista que:
a) a ré responde independentemente de culpa pelo defeito na sua prestação de serviços (art. 14, caput, CDC);
b) não restou configurada nenhuma das hipóteses que poderiam excepcionar a sua responsabilidade, na forma do §3º do art. 14 do CDC;
c) a autora apresenta condição de hipossuficiência, sendo-lhe de difícil produção a prova em seu favor, impondo-se a inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6º, inciso VIII do CDC;
d) a ré não produziu provas suficientes a afastar a verossimilhança das alegações da autora.
Por estas razões, reconheço a abusividade das cobranças das faturas vencidas posteriormente a maio/2023 determinando que a promovida proceda ao seu refaturamento para o patamar mínimo de 50kwh.
Não há, contudo, o que se falar em repetição em dobro do indébito, tendo em vista que não restou provado o pagamento das faturas discutidas. O parágrafo único do artigo 42 do CDC é claro ao dispor que ‘O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso (…)’, donde se conclui que a cobrança, por si só, não enseja o ressarcimento. Não havendo pagamento, não há o que se ressarcir.
Por fim, no que pertine aos danos morais, julgo-os indevidos, uma vez que não houve negativação, suspensão ou qualquer outro tipo de medida capaz de ter causado constrangimento considerável à Requerente. O fato do simples recebimento de faturas com valores fora da média razoável de consumo não configura dano moral indenizável.
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTES EM PARTE os pedidos formulados na inicial para convalidar os termos da decisão liminar e:
1) DETERMINAR QUE A RÉ PROCEDA A TROCA DO RELÓGIO MEDIDOR DE CONSUMO no prazo máximo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa diária arbitrada em R$ 100,00 (cem reais), desde já limitada ao teto de R$ 2.000,00 (mil reais);
2) determinar que a acionada cancele as faturas posteriores a maio de 2023, devendo, assim, a demandada adotar todas as providências necessárias para proceder ao cancelamento das mesmas, devendo proceder o refaturamento das contas vencidas posteriormente a maio/2023 até substituição do medidor, cingindo-as em 50 kwh, devendo encaminhar à residência da parte Autora, no prazo de 15 (quinze) dias, a respectiva fatura para pagamento com antecedência mínima de 15 (quinze) dias da data do vencimento. Em caso de pagamento anterior das mesmas, deverá ser apurado crédito nas faturas subsequentes.
Indefiro os demais pedidos.
Após o trânsito em julgado e não sendo realizado o depósito dos valores da condenação no prazo de 15 (quinze) dias, incidirá multa de 10% (dez por cento), em conformidade ao previsto no art. 52, III da Lei 9099/05 e art. 523, §1º, primeira parte, do CPC, sendo dispensável nova intimação com fulcro no princípio da celeridade processual, inerente ao rito sumaríssimo.
Havendo cumprimento voluntário, expeça-se o competente alvará para levantamento dos valores depositados judicialmente em favor da parte autora.
Caso não seja efetuado o pagamento voluntário no prazo acima referido, havendo requerimento da parte autora, encaminhem-se os autos ao setor de cálculos para início da execução, nos termos do art. 52, da Lei nº 9.099/95.
Sem custas e honorários advocatícios.
Publique-se. Registre-se. Intime-se.
SALVADOR, 20 de Dezembro de 2023.
RAIMUNDO NONATO BORGES BRAGA
Juiz de Direito
Documento Assinado Eletronicamente
No entanto, a NEOENERGIA COELBA não cumpriu a determinação judicial e manteve as contas ativas, além de negativar o consumidor nos órgãos de proteção ao crédito. Diante do descumprimento da sentença, a magistrada Lívia Melo de Barbosa, juíza titular da 1ª Vara dos Sistemas de Juizados Especiais de Salvador, converteu a obrigação de fazer em perdas e danos, aumentando a condenação para R$ 10.000,00 (dez mil reais). Contudo, até o momento, a COELBA não efetuou o pagamento do valor indenizatório.
O pesadelo do consumidor estava apenas começando. Em meio a um processo judicial, ele foi pego de surpresa por uma manobra da parte adversa: imagens de faturas em aberto, fornecidas indevidamente pela Neoenergia Coelba, foram anexadas ao processo com o claro objetivo de denegrir sua imagem. A situação se agravou quando o advogado da outra parte, apoiado nesses documentos sigilosos, teceu uma narrativa acusatória, tachando o consumidor de “inadimplente contumaz”. Essa violação flagrante de privacidade e o uso distorcido de informações confidenciais transformaram uma disputa judicial em um verdadeiro ataque pessoal, causando imenso constrangimento e sofrimento ao consumidor.
“Além disso o réu ainda tem contas em aberto em nome próprio, ou seja, encontra-se
inadimplente com a Coelba mesmo após a troca de titularidade que “supostamente” tinha
sido solicitada para facilitar com os compromissos com a concessionária conforme sua
carta entregue ao condomínio, o que demonstra que o réu é um inadimplente contumaz.“
A dívida, que já havia sido objeto de decisão favorável ao requerente em outro processo e sequer poderia continuar existindo, foi exposta a terceiros, violando sua privacidade e ferindo a honra do consumidor.
“O caso em questão envolve uma clara violação à LGPD, além de ter gerado sérios prejuízos emocionais ao consumidor reclamante, que se viu exposto a uma situação vexatória injustamente” afirmou a advogada Dra. Edna Santos Pereira que representa o promovente no processo contra a Neoenergia Coelba.
A situação descrita é extremamente preocupante, evidenciando uma grave violação de privacidade do consumidor e um possível abuso de poder por parte da Neoenergia Coelba. O fornecimento indevido de informações pessoais, como faturas com valores em aberto, a terceiros sem o consentimento explícito do consumidor é uma infração séria à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e pode acarretar em consequências legais para a empresa.
Além disso, o uso dessas informações em um processo judicial para desqualificar o consumidor é inaceitável e pode configurar abuso de direito. A narrativa construída pelo advogado da parte contrária, baseada em documentos obtidos de forma irregular, visa prejudicar a imagem do consumidor e influenciar o julgamento de forma injusta.
Dano Moral e Violação à LGPD
O principal objetivo da ação é penalizar a Neoenergia Coelba por práticas abusivas, exigindo que a empresa se adeque às leis vigentes por meio de sentença judicial. O autor também solicita indenização por danos morais, alegando que a concessionária divulgou seus dados pessoais sem autorização, violando a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD – Lei nº 13.709/2018). O requerente argumenta que essa violação afetou sua reputação e dignidade, uma vez que houve uso indevido de informações sensíveis.
Além disso, a ação pede a aplicação de multa à concessionária, com base na LGPD, que prevê sanções de até 2% do patrimônio líquido da empresa em casos de infrações dessa natureza.
A parte que retirou as faturas do autor na sede da Neoenergia Coelba foi incluída no processo e citada por oficial de justiça.
Papel público e exposição indevida
Além da violação de dados, o promovente destaca o impacto que a exposição indevida de sua dívida teve sobre sua vida pública e profissional. O requerente, que é jornalista e pessoa politicamente exposta, com uma carreira reconhecida como âncora e diretor de jornalismo em diversas emissoras brasileiras, sustenta que o ato ilícito praticado pela concessionária teve consequências ainda mais graves, comprometendo sua credibilidade profissional.
Competência do Juizado e Celeridade do Caso
O processo está sendo julgado no Juizado Especial Cível de Salvador, que é o foro competente para a discussão de casos de menor complexidade e cujo valor da causa não ultrapasse o limite legal estabelecido. Segundo o advogado do consumidor, a análise dos documentos apresentados já seria suficiente para comprovar a violação da LGPD, sem a necessidade de perícias complexas, pois o flagrante da violação se deu em pleno juízo em prova acostada por um advogado. Já com relação a aplicaça da multa que pode variar até 2% do patrimônio liquido da empresa molestadora, o advogado alegou que isto será visto em sentença.
Teto dos Juizados Especiais e a possibilidade de majoração em casos excepcionais
É importante destacar que, embora o teto dos Juizados Especiais seja de 40 salários mínimos, o magistrado possui a prerrogativa de ultrapassar esse limite em situações que considerar de extrema gravidade. Essa flexibilidade existe para garantir que a Justiça seja feita de forma adequada, mesmo em casos que, pela sua natureza, poderiam ser julgados em varas cíveis comuns.
O limite de 40 salários mínimos serve, primordialmente, para filtrar casos de alta complexidade, assegurando a celeridade e simplicidade que são características dos Juizados Especiais. Portanto, o autor da ação não pode, por iniciativa própria, ultrapassar esse teto ao formular seu pedido. Contudo, o juiz, ao analisar o caso e avaliar a gravidade dos fatos, tem a liberdade de conceder uma indenização superior a esse limite.
A maior indenização da história em sede de Juizados Especiais
Se o processo for julgado procedente, e as provas conducentes apontam nesse sentido, a juíza deverá aplicar uma multa de até 2% sobre o faturamento líquido da empresa ré, limitada ao teto de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais), conforme previsto na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD – Lei nº 13.709/2018).
Caso isso ocorra, estaríamos diante da maior indenização já registrada na história dos Juizados Especiais em todo o Brasil, o que reforçaria a importância da proteção de dados pessoais e o rigor na punição de empresas que desrespeitam esse direito fundamental.
Repercussão do Caso
O caso chama a atenção para a crescente preocupação com a proteção de dados pessoais no Brasil, especialmente após a entrada em vigor da LGPD. A lei visa garantir que empresas e instituições tratem dados pessoais com segurança e transparência, respeitando os direitos dos titulares.
Impacto na Imagem da Concessionária
Se comprovada a violação, a Neoenergia Coelba pode ser obrigada a pagar uma indenização significativa ao promovente, além de sofrer sanções administrativas. O caso pode repercutir negativamente para a concessionária, que já enfrenta desafios em relação à prestação de seus serviços e agora lida com acusações relacionadas à privacidade de seus clientes.
O processo tramita perante a 4ª Vara dos Sistemas de Juizados Especiais do Consumidor da Comarca de Salvador/BA, sob a condução da juíza Michelline Soares Bittencourt Trindade Luz. A ação está em segredo de justiça, garantindo a confidencialidade dos detalhes processuais e a proteção da privacidade das partes envolvidas.
Na audiência de conciliação, realizada recentemente, o consumidor reclamante, que é bacharel em Direito e possui pós-graduação em Direitos Humanos, Direito do Consumidor e Constitucional, apresentou impugnação oral à contestação da ré. Na mesma ocasião, o promovente também requereu de imediato a designação de uma audiência de instrução e julgamento, solicitando o chamamento de testemunhas à lide para esclarecer os fatos em discussão.
Sobre a Neoenergia Coelba:
A Neoenergia Coelba é uma das principais concessionárias de energia do Brasil, responsável pela distribuição de eletricidade para milhões de consumidores no Estado da Bahia. A empresa faz parte do grupo Neoenergia, que atua em diversos segmentos do setor elétrico nacional.
Sobre a LGPD:
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018) regula o uso, a coleta e o armazenamento de dados pessoais no Brasil, estabelecendo regras rigorosas para a proteção da privacidade dos cidadãos e aplicando sanções às empresas que descumprirem suas disposições.
O que dizem os especialistas em direito sobre o assunto?
Em entrevistas exclusivas concedidas à AGECOM BRASIL, renomados advogados e professores de Direito analisam profundamente o caso de um consumidor que teve sua privacidade violada e exposta, em claro desrespeito aos preceitos estabelecidos pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Os especialistas destacam as implicações legais desse tipo de violação, abordando os direitos do consumidor e as responsabilidades das empresas diante da legislação vigente, e trazem à tona as consequências jurídicas e sociais desse incidente.
DR. FÁBIO SANTOS
Advogado, Psicólogo e Perito Judicial. Doutor em Educação. Mestre em Direitos Humanos.
Pós-Doutorado em Direitos Fundamentais.
Especialista em Ciência Política e Segurança Pública.
DRA. SUYANE SALDANHA
Advogada especialista em Direito do Consumidor e Direito do Trabalho.
A equipe de jornalismo da ABC-I News buscou contato com a assessoria de imprensa do grupo NeoEnergia Coelba para obter um posicionamento sobre o caso. No entanto, até o fechamento desta matéria, não houve resposta à solicitação de manifestação por parte da empresa.
Da redação | ABC-I News
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